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Puberdade em tempos de pandemia: o que aprendemos com os dados italianos?

Por Adriana Aparecida Siviero Miachon , em ENDOCRINOLOGIA PEDIÁTRICA , dia 31 de agosto de 2021 Tags:, , ,

A pandemia da covid-19 provocou uma tensão no cuidado à saúde, desde o início de 2020. Em todo o mundo, adultos e crianças foram submetidos a um esquema de confinamento, passando a trabalhar e estudar em seus respectivos domicílios, condição conhecida como lockdown, muito marcante na Itália, e como quarentena, aqui no Brasil. A situação atípica evidenciou alguns aspectos importantes da mudança de rotina: 1. adiposidade, aumento do ganho de peso, já que a população se encontrava em casa, o que estimulava o consumo de alimentos mais calóricos, além da inatividade física e sedentarismo; 2. gatilhos psicológicos, com aumento nos quadros de depressão, estresse e ansiedade, na população adulta, mas também com reflexos na população pediátrica.

Em meio a esse novo cenário, houve aumento nos encaminhamentos dos casos de puberdade precoce aos consultórios e ambulatórios, o que levantou a hipótese se tal aspecto era, de fato, um aumento na incidência e evolução das puberdades ou apenas uma coincidência, já que os pais estavam mais próximos de seus filhos e mais atentos ao seu amadurecimento. Para esclarecer tais dúvidas, em novembro de 2020, o grupo italiano representado por Stagi et al., do Anna Meyer Children’s University Hospital, da Universidade de Florença, Itália, publicou o artigo intitulado Increased incidence of precocious and accelerated puberty in females during and after the Italian lockdown for the coronavirus 2019 (COVID-19) pandemic, fazendo um convite a várias reflexões sobre essa complexa relação entre pandemia e puberdade.

O estudo foi retrospectivo, caso-controle, de 49 meninas caucasianas, com puberdade precoce central (PPC) e divididas em dois grupos:

  • Grupo 1 (CASOS NOVOS, n = 37): meninas com diagnóstico recente de PPC (março a julho de 2020), comparadas a um grupo controle (n = 89) de cinco anos anteriores à pandemia (março a julho de 2015-2019);
  • Grupo 2 (PROGRESSÃO, n = 12): meninas com diagnóstico prévio de PPC, com progressão lenta, e que apresentaram aceleração no período da pandemia (2020), também comparadas a um grupo controle (n = 11) dos anos anteriores (2015-2019). Considerou-se aceleração, a progressão de um estadio de Tanner, em menos de seis meses.

Foram avaliados diversos parâmetros clínicos, estadio de Tanner, antropométricos (Z escore do índice de massa corpórea, IMC), hormonais (estradiol basal, hormônio luteinizante (LH) basal e após estímulo com hormônio liberador de gonadotrofinas, GnRH) e de atividade estrogênica (comprimento do útero e volume dos ovários pela ultrassonografia pélvica, USP), além de um novo parâmetro: tempo de exposição aos aparelhos eletrônicos, avaliado por meio de questionário. Foram excluídas as puberdades de causa orgânica e as crianças adotadas ou imigrantes, que já possuem um fator de risco para PPC. Os meninos não foram incluídos, pois não houve diferença nos dados.

O número de casos novos de PPC foi significativamente maior que a média no mesmo período, considerando os cinco anos anteriores à pandemia (p < 0,0005). Nos pacientes do Grupo 1, a idade ao diagnóstico foi estatisticamente menor (7,1 vs. 7,5 anos; p < 0,0005), com maior avanço do estadio de Tanner (p < 0,050), se comparado aos controles, com elevação significativa do estradiol basal, LH basal e pós-estímulo (p < 0,005), e nos parâmetros da USP (p < 0,0005). Surge o uso de aparelhos eletrônicos como um dado adicional na avaliação dessas meninas (3,9 horas ao dia).

O número de casos com PPC previamente diagnosticada e que passou de lentamente para rapidamente progressiva, durante o lockdown, também foi estatisticamente maior, comparado aos cinco anos anteriores (p < 0,0005). Nesse grupo, ao avaliar os mesmos parâmetros antes e após o lockdown, observou-se aceleração significativa da progressão pelo estadio de Tanner (p < 0,0005), aumento do estradiol basal (p < 0,005), LH basal e pós-estímulo (p < 0,050), e nos parâmetros da USP (p < 0,050), com marcada elevação no tempo de exposição aos aparelhos eletrônicos (1,6 vs. 3,9 horas/dia; p < 0,0005).

O Z IMC não mostrou diferença entre casos e controles, mas o ΔIMC aumentou significativamente dentro de cada grupo, durante o lockdown, particularmente no Grupo 2, que experimentou a progressão da puberdade (p < 0,050 para o Grupo 1 e p < 0,005 para o Grupo 2). Como limitações, destaca-se a amostra pequena, de conveniência, e os grupos heterogêneos.

Em conclusão, houve uma correlação entre fatores ambientais e o início precoce da puberdade e/ou sua rápida evolução, em pacientes do sexo feminino, mas especula-se que a mesma associação possa afetar o sexo masculino. A pandemia evidenciou três importantes fatores desencadeantes da puberdade: 1. adiposidade; 2. gatilhos psicológicos; 3. uso exagerado de aparelhos eletrônicos. Em relação ao último desencadeante, acredita-se que o excesso de tela e de luminosidade possa reduzir a melatonina, gerando gatilhos hormonais para o desenvolvimento hormonal precoce. A pandemia agravou a incidência de puberdade precoce, que já vinha sendo experimentada (Mogensen et al., 2011), discutindo se haveria apenas melhora nos diagnósticos ou, de fato, aumento no número de casos. No entanto, ainda são necessários mais estudos para esclarecer quais fatores e a interação dos fatores ambientais, evidenciados pela pandemia, além de sua real relação com o desenvolvimento puberal.

Adriana Aparecida Siviero Miachon – clique para ver o CV Lattes

imagem: iStock

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