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Revista Científica Digital da SBEM-SP


Perspectivas para o tratamento da hiperplasia adrenal congênita

Por Lívia Mermejo , em ENDOCRINOLOGIA PEDIÁTRICA , dia 30 de abril de 2022 Tags:, , ,

Nos últimos anos, houve melhora no diagnóstico, tratamento e seguimento dos pacientes com hiperplasia adrenal congênita por deficiência de 21-hidroxilase (HAC-21OH), possibilitando que a maioria chegue à vida adulta sem complicações graves1,2. Devido a isso, complicações crônicas como obesidade, hipertensão arterial, diabetes, baixa massa óssea e infertilidade têm se tornado uma das preocupações mais importantes no seguimento desses pacientes em longo prazo3-5.

Os pacientes com a forma clássica da doença precisam de tratamento contínuo para repor a deficiência de glicocorticoide e a potencial ausência de mineralocorticoides e, com isso, reduzir o hiperandrogenismo. O desenvolvimento de novas terapias é necessário para mitigar a superexposição crônica aos glicocorticoides, a perda de ritmo circadiano durante essa reposição e a administração ineficiente dos glicocorticoides, com períodos concomitantes de hiperandrogenismo.

Na revisão de Schröder et al6 publicada em fevereiro de 2022 no periódico Reviews in Endocrine and Metabolic Disorders, os autores abordam uma visão geral sobre os regimes de tratamento atuais e relatam as novas terapias para pacientes com HAC-21OH, ponderando suas vantagens e limitações.

É importante salientar que a estratégia e os objetivos do tratamento mudam conforme a idade do paciente7. Na criança com HAC-21OH, o foco do seguimento deve ser o crescimento e o desenvolvimento puberal, enquanto no adulto com HAC-21OH a prioridade do tratamento considera a qualidade de vida, a fertilidade e o manejo de complicações crônicas. Para isso, idealmente são usados glicocorticoides de meia-vida curta, como hidrocortisona na infância, que podem ser transicionados para glicocorticoides de ação mais longa, como dexametasona ou prednisona, na vida adulta, quando há indicações específicas, como a melhora da fertilidade8. Infelizmente, a hidrocortisona não é amplamente disponível no Brasil e, muitas vezes, o tratamento envolve a manipulação desse e de outros sais equivalentes por farmácias, o que não é o ideal, trazendo preocupações sobre a origem e bioequivalência de tais produtos. A Associação Brasileira Addisoniana (ABA – www.abaddison.org.br) tem feito um trabalho de apoio a esses pacientes com a distribuição de material didático e kits de emergência para serem usados em caso de insuficiência adrenal aguda.

Diante de todos esses desafios do tratamento atual, novas terapias têm sido desenvolvidas nos últimos anos. A seguir, estão listadas essas novas perspectivas, os mecanismos de ação de cada uma delas, suas principais vantagens e limitações6.

1. Preparações e melhores formas de administração de glicocorticoide

  • Alkindi® (formulação de grânulos com baixas doses de hidrocortisona)
  • Plenadren® (formulação de liberação de hidrocortisona em duas etapas) e Chronocort® (formulação de liberação de hidrocortisona de forma lenta e sustentada)
  • Infusão contínua de hidrocortisona9

Vantagens: permitem uma reposição mais próxima ao ritmo fisiológico do cortisol; em geral são bem toleradas e seguras; algumas delas permitem uma dosagem mais precisa e individualizada.

Limitações: custo elevado; ainda não disponíveis na maioria dos países; nem sempre atingem uma supressão efetiva da liberação matinal de ACTH. Adicionalmente, a medicação PlenadrenÒ não é recomendada na HAC-21OH e a infusão contínua subcutânea de hidrocortisona é um procedimento invasivo.

2. Bloqueio do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) com consequente diminuição da produção ou do efeito do ACTH

  • Antagonista do receptor CRF1: Tildacerfont (fase 2 em andamento) e Crinecerfont (fase 3 em andamento)
  • Anticorpos contra ACTH: ALD1613 e ALD1611 (ambos em fase pré-clínica)
  • Antagonista do receptor do ACTH (MC2R): CRN04894 (fase 1 em andamento)
  • Inibição da esteroidogênese: Nevanimibe, inibidor seletivo do ACAT1 (estudo clínico interrompido); acetato de abiraterona, inibidor da 17-20 liase (fase 1); Mitotane

Vantagens: seguem o conceito “block and replace”, ou seja, ao suprimir o eixo HHA permitem uma redução na dose de reposição de glicocorticoide. Indicados aos pacientes que persistem com concentrações elevadas de andrógenos e necessitam de reposição com doses suprafisiológicas de glicocorticoides.

Limitações: são medicações adicionais ao tratamento, não dispensam o uso dos glico e mineralocorticoides, culminando no aumento do número de medicações para o tratamento. Além disso, a maioria está em fase 1-2 ou ainda em estudos pré-clínicos, sendo que algumas apresentaram efeitos adversos e não foram eficazes em todos os pacientes.

3. Bloqueio na função androgênica: inibidores da aromatase como anastrozol, arimidex, aromasin, letrozole combinados com antiandrogênios como flutamida e testolactona (fase 2 em andamento).

Vantagens: indicados em crianças com avanço da idade óssea e baixa predição de estatura final.

Limitações: associação de quatro medicações; risco de hepatotoxicidade e ainda sem estudos de eficácia em longo prazo. Por isso, essa combinação de tratamento ainda não está liberada fora do ambiente de um estudo clínico.

4. Restabelecimento da produção de glico e mineralocorticoide pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal: terapia gênica (fase 1) e terapia celular (fase pré-clínica).

Vantagens: dispensa a reposição diária de glico e mineralocorticoides.

Limitações: ainda disponíveis apenas em fases pré-clínicas e, no caso da terapia gênica, a duração da eficácia terapêutica pode ser limitada pela renovação do córtex adrenal.

Em resumo, essas novas terapias possibilitarão um tratamento mais adequado e melhor qualidade de vida aos pacientes com HAC-21OH. Enquanto as terapias gênicas ou celulares não se tornarem possíveis, a reposição diária de glicocorticoide ainda será indispensável e, para isso, as melhores formulações são promissoras ao permitirem um bloqueio mais efetivo do eixo HHA e mimetizarem uma reposição mais fisiológica. No futuro, a administração conjunta de antagonistas de ACTH poderá melhorar o controle bioquímico e contribuir para uma redução da dose de reposição de glicocorticoide.

Lívia Mermejo – clique para ver o CV Lattes.

Referências

1. Merke DP, Auchus RJ. Congenital Adrenal Hyperplasia Due to 21-Hydroxylase Deficiency. N Engl J Med. 09 24 2020;383(13):1248-1261. doi:10.1056/NEJMra1909786

2. Claahsen-van der Grinten HL, Speiser PW, Ahmed SF, et al. Congenital adrenal hyperplasia – current insights in pathophysiology, diagnostics and management. Endocr Rev. May 2021;doi:10.1210/endrev/bnab016

3. Tamhane S, Rodriguez-Gutierrez R, Iqbal AM, et al. Cardiovascular and Metabolic Outcomes in Congenital Adrenal Hyperplasia: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Clin Endocrinol Metab. 11 2018;103(11):4097-4103. doi:10.1210/jc.2018-01862

4. Delai A, Gomes PM, Foss-Freitas MC, et al. Hyperinsulinemic-Euglycemic Clamp Strengthens the Insulin Resistance in Nonclassical Congenital Adrenal Hyperplasia. J Clin Endocrinol Metab. 02 17 2022;107(3):e1106-e1116. doi:10.1210/clinem/dgab767

5. Gomes LG, Mendonca BB, Bachega TASS. Long-term cardio-metabolic outcomes in patients with classical congenital adrenal hyperplasia: is the risk real? Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 06 2020;27(3):155-161. doi:10.1097/MED.0000000000000545

6. Schröder MAM, Claahsen-van der Grinten HL. Novel treatments for congenital adrenal hyperplasia. Rev Endocr Metab Disord. Feb 23 2022;doi:10.1007/s11154-022-09717-w

7. Bacila I, Freeman N, Daniel E, et al. International practice of corticosteroid replacement therapy in congenital adrenal hyperplasia: data from the I-CAH registry. Eur J Endocrinol. Apr 2021;184(4):553-563. doi:10.1530/EJE-20-1249

8. Speiser PW, Arlt W, Auchus RJ, et al. Congenital Adrenal Hyperplasia Due to Steroid 21-Hydroxylase Deficiency: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 11 2018;103(11):4043-4088. doi:10.1210/jc.2018-01865

9. Merke DP, Mallappa A, Arlt W, et al. Modified-Release Hydrocortisone in Congenital Adrenal Hyperplasia. J Clin Endocrinol Metab. 04 23 2021;106(5):e2063-e2077. doi:10.1210/clinem/dgab051

imagem: iStock

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