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Revista Científica Digital da SBEM-SP


Discussão de caso clínico: crise tireotóxica

Por Adriano Namo Cury, Gláucia Mazeto , em DIABETES TIREOIDE , dia 28 de fevereiro de 2021 Tags:, , , ,

A associação entre crise tireotóxica e cetoacidose diabética é rara, porém, potencialmente fatal e os eventos iniciais podem ser de difícil caracterização. Este caso clínico apresentado no vídeo pelos acadêmicos André Levy e Stella Zamot, membros da Liga de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e conduzido sob a coordenação do Dr. Adriano Namo Cury, mostra a linha do tempo do diagnóstico, as hipóteses e o uso da plasmaférese como alternativa no tratamento.

Caso clínico sobre crise tireotóxica apresentado pelos acadêmicos André Levy e Stella Zamot, da Santa Casa de São Paulo

Para a Dra. Glaucia Mazeto (Unesp Botucatu), “O caso apresentado chama a atenção para a ocorrência de associação entre CAD e CT, uma situação infrequente, porém potencialmente fatal, que demanda diagnóstico e tratamento imediatos. Uma revisão sistemática publicada em 2019 relatou 26 casos descritos, com mortalidade de 15% (Rathish & Karalliyadda, 2019). A frequência com que essa associação ocorre ainda é desconhecida e o mecanismo fisiopatológico que conecta ambas as descompensações é controverso (Griffits et al., 2020). Aparentemente, tanto a CAD pode desencadear a CT quanto esta última pode levar à descompensação diabética. De fato, a CT pode ocorrer como resultado da tireotoxicose não tratada ou da concomitância de um fator de estresse importante, como a CAD. Por outro lado, a tireotoxicose aumenta a resistência insulínica e altera o metabolismo dos carboidratos como um todo, podendo resultar na CAD (Griffits et al., 2020).

Além do mais, ambas as descompensações podem apresentar os mesmos fatores desencadeantes (Rathish & Karalliyadda, 2019). Realmente, fatores como infecção podem levar tanto à CT quanto à CAD. Nesse sentido, é importante ressaltar que, além do diagnóstico e tratamento adequados para ambas as complicações, os principais fatores desencadeantes devem ser investigados e tratados. Esse cuidado deve ser tomado mesmo levando-se em consideração que a má aderência ao tratamento da doença de base possa justificar a ocorrência das duas descompensações (Rathish & Karalliyadda, 2019). No caso relatado, talvez a falha no tratamento crônico representasse o fator inicial que desencadeou a primeira complicação aguda, porém, talvez seja difícil determinar o que ocorreu primeiro — se a CAD ou se a CT.

O fato é que, devido à potencial gravidade, a associação entre CAD e CT deve ser sempre lembrada. O diagnóstico clínico pode ser difícil: a febre, por exemplo, uma das principais características da CT, pode ser mascarada na presença de CAD (Griffits et al., 2020). De fato, o caso em questão não apresentou hipertermia, porém, o diagnóstico clínico foi favorecido pela possibilidade de obtenção do histórico médico da paciente com informações sobre a presença de DM1 e DG. Como nem sempre isso é possível, é fundamental que o médico assistente pense na possibilidade da concomitância de ambas as descompensações. Além disso, na presença de doença glandular autoimune, como no caso da paciente relatada, é muito importante pensar na possibilidade também de adrenalite, com consequente insuficiência adrenal, o que poderia ser mascarado pelo uso de hidrocortisona para tratamento da CT. Assim, nessa situação, seria interessante a coleta de sangue, para posterior dosagem do cortisol sérico, previamente à introdução do corticoide.

No caso relatado, foi utilizada a plasmaférese para controle da tireotoxicose e melhora das condições gerais da paciente, de forma que ela pudesse receber o tratamento definitivo com radioiodo. A plasmaférese é um dos métodos mais rápidos para melhora das condições clínicas em pacientes com CT e pode ser particularmente útil quando os medicamentos convencionais são ineficazes ou contraindicados; apresenta efeito transitório, necessitando, dessa forma, de várias sessões e, embora seja importante monitorar as concentrações séricas dos hormônios tireoidianos após esse procedimento, a melhora clínica pode ocorrer de forma dissociada dos níveis hormonais (Muller et al., 2011).

Assim, o caso aqui relatado alerta para uma associação rara e, oportunamente, relembra aspectos relativos à abordagem de duas complicações agudas, potencialmente fatais, de distúrbios que fazem parte do cotidiano do endocrinologista.”

De acordo com o Dr. Adriano, “Este é apenas um caso, de uma série de casos, de situações extremas em urgências do Serviço de Endocrinologia e Metabologia da Santa Casa de SP. Mesmo após tanto avanço no conhecimento sobre os mecanismos das doenças autoimunes, algumas situações clínicas, que nos revelam no dia a dia como clínicos, nos fazem pensar o quanto devemos ser vigilantes no cuidado do diabetes tipo 1 associado à doença de Graves (síndrome poliglandular autoimune).

A atenção a cada etapa da evolução clínica e os dados de laboratório desse caso levam a uma situação única de decisão de tratamento da tireotoxicose (crise tireotóxica) quando outras opções terapêuticas como antitireoidianos, tireoidectomia ou iodoterapia não são possíveis. O clareamento do plasma do excesso de hormônios tireoidianos através da plasmaférese determinou estabilidade clínica, melhora hemodinâmica e, o mais importante, a preservação da vida do paciente. Por sorte, esse tipo de urgência clínica na Endocrinologia é raro e, normalmente com boa condução médica, podemos promover o bom controle clínico e laboratorial da doença de Graves e do diabetes tipo 1 ambulatorialmente e evitar extremos como o aqui relatado”.

Gláucia Maria Ferreira da Silva Mazeto — clique para ver o CV Lattes

Adriano Namo Cury — clique para ver o CV Lattes


Referências:

1. Griffiths S, Peak D,  Bridwell RE, Long B. Thyroid Storm and Diabetic Ketoacidosis Presenting to the Emergency Department. Cureus. 2020 Jan 23;12(1):e6751

2.  Muller  C, Perrin P, Faller B, Richter S, Chantrel F. Role of plasma exchange in the thyroid storm. Ther Apher Dial. 2011 Dec;15(6):522-31

3. Rathish  D, Karalliyadda  S. Concurrent presentation of thyroid storm and diabetic ketoacidosis: a systematic review of previously reported cases. BMC Endocr Disord. 2019 May 17;19(1):49

imagem: iStock

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