Destaques do BRADOO 2024
Com apresentações concomitantes em 3 salas, além de uma arena que permitia maior interatividade entre palestrante e participantes, a programação científica foi densa e abrangente. Sem pretensão de cobrir todas as novidades apresentadas no congresso, este artigo traz alguns dos pontos altos da programação.
O Dr. Matthew Drake, endocrinologista da clínica Mayo, apresentou a conferência “Year in bone”, para a qual selecionou artigos relevantes para o osteometabolismo publicados nos últimos 12 meses. As novidades resumidas pelo Dr. Drake foram também apresentadas de forma mais aprofundada em diferentes palestras ao longo do congresso.
Começando pela osteoporose, o Dr. Drake falou sobre a estreia do FRAX Plus, que incorpora novos fatores de risco para cálculo do risco individual de fratura, como fratura osteoporótica recente, dose alta de glicocorticoide, dados do TBS e da densidade mineral óssea da coluna lombar, quedas no último ano e duração do DM2. O FRAX Plus, ao contrário do FRAX convencional, é uma ferramenta paga proporcionalmente ao número de cálculos realizados.
A boa notícia para nós brasileiros é que também durante o BRADOO foi inaugurado o FRAX Brasil 2.0, que incorpora orientações de ajuste para os fatores de risco do FRAX Plus, mas mantendo-se uma ferramenta gratuita. A inauguração do FRAX Brasil 2.0 foi marcada pela apresentação no BRADOO do Dr. Ben-Hur Albergaria em seção moderada pelo Dr. Cristiano Zerbini e Dra. Marise Lazaretti, os três idealizadores do FRAX Brasil. Vale reforçar que deve-se fazer apenas um dos ajustes adicionais, selecionando aquele com maior impacto clínico.
Voltando aos artigos do Dr. Matthew Drake, ele destacou o trabalho de Ian Reid e colaboradores, publicado este ano no Lancet Diabetes Endocrinol. Este é a extensão de um estudo que mostrou eficácia clínica de 4 doses de ácido zoledrônico (AZ) 5 mg ao longo de 6 anos, com intervalos de 18 meses entre as doses. Foi observado que após a interrupção do AZ o risco de fraturas se mantinha reduzido por até 3,5 anos. Os incrementos nos marcadores de remodelação óssea não foram preditivos do aumento do risco de fraturas. Uma implicação clínica deste estudo é que no tratamento de manutenção da osteoporose, talvez devamos utilizar doses mais espaçadas de AZ. Estes dados vão ao encontro da estratégia de tratamento de longo prazo proposta pelo Dr. Michael McClung em sua palestra, em que ele propôs, após uma fase inicial de tratamento mais intensivo, um tratamento de manutenção com intervalos maiores sem tratamento.
Outro artigo apresentado foi o de Bird e colaboradores, publicado também este ano no JAMA, que mostrou que em pacientes com doença renal crônica (DRC) dialítica o denosumabe levou a um risco elevado de hipocalcemia, principalmente nas primeiras 16 semanas que se seguem à sua aplicação. Este tema foi bem abordado na palestra da Dra. Rosa Moysés, que fez uma analogia entre o tratamento atual da osteoporose em pacientes com DRC estágios 3-5 e o filme de 1968 “O bom, o mau e o feio”, falando sobre os avanços que tivemos no conhecimento e tratamento desta condição, ao mesmo tempo em que destacou as limitações e desafios que persistem. Esta palestra fez parte de um simpósio riquíssimo composto por 6 aulas voltadas à osteoporose e doença renal. Em uma das aulas, o Dr. Carlos Gomes expôs a acidose tubular renal como possível etiologia de fragilidade óssea, e sugeriu que ela seja pesquisada em casos mais graves de fragilidade óssea, na presença concomitante de nefrolitíase e/ou nefrocalcinose ou na presença de aspectos sindrômicos.
Um dado surpreendente apresentado pelo Dr. Drake foi o da observação de maior ocorrência de fraturas em homens com hipogonadismo tratados com testosterona, conforme publicado por Snyder e colaboradores no N Eng J Med. Chama atenção o resultado contrário ao esperado, que seria de um efeito neutro ou de redução de fraturas com a reposição hormonal em homens. Porém, fraturas eram um desfecho secundário deste estudo, e possíveis causas para o resultado observado não foram exploradas neste estudo. Em contrapartida, a terapia hormonal em mulheres como estratégia para prevenção de fraturas e de osteoporose foi amplamente discutida em diferentes simpósios. Destaco a apresentação da Dra. Maria Celeste Wender, que falou das diferenças entre as doses convencionais e ultrabaixas de estradiol, mostrando que o efeito sobre o metabolismo ósseo parece ser dose-dependente, mas com benefícios observados mesmo com as doses mais baixas utilizadas atualmente.
A vitamina D foi abordada em uma conferência de uma hora pelo Prof. Peter Ebeling, chefe do Departamento de Medicina da Universidade Monash, na Austrália. Ele falou sobre os resultados dos grandes ensaios clínicos publicados recentemente e do consenso sobre dosagem e suplementação de vitamina D da Endocrine Society, publicado por Giustina e colaboradores na Endocr Rev em 2024. Alguns dos pontos essenciais deste consenso são a preferência pela suplementação por via oral, com colecalciferol, em doses diárias. O consenso também indica em quem se deve dosar e suplementar vitamina D na população geral.
Nos simpósios voltados às técnicas de imagem, foram apresentadas as novas posições do ISCD para adultos, que indicam o uso da base de dados de mulheres brancas para cálculo do T-escore tanto para homens quanto mulheres e independentemente de etnia. Foram estabelecidas recomendações para a descrição da análise bilateral de quadril e da imagem de fêmur inteiro (FFI – full-length femur imaging) para rastreio de fraturas atípicas, além de posicionamentos para indivíduos com lesão medular e transgênero. Foi apresentada também uma sessão inteira discutindo o uso de avaliação da DXA em crianças e adolescentes.
Diferentes aspectos reumatológicos foram também discutidos ao longo do congresso, com destaque para o simpósio de quase duas horas sobre osteoporose e artrite.
No campo das doenças raras foram destaques: o uso de denosumabe em pacientes com displasia fibrosa óssea (DeCastro et al, N Engl J Med 2023); discussão sobre diferentes medicamentos para osteogênese imperfeita, como bisfosfonatos, teriparatida, denosumabe, romosozumabe e setrusumabe (Liu et al, J Clin Endocrinol Metab 2023 e 2024); uso preventivo de ácido zoledrônico em pacientes com Doença de Paget por defeito no gene SQSTM1; ganho de velocidade de crescimento com infigratinibe oral em crianças com acondroplasia; a liberação pelo FDA do palovarotene para uso em pacientes com fibrodisplasia ossificante progressiva, medicamento que leva a uma redução de 60% na taxa anual de ossificação; e os resultados do estudo de fase clínica 2b do uso do encaleret, agonista do CaSR, em pacientes com hipocalcemia autossômica dominante tipo 1. Hipofosfatasia, raquitismo e osteomalácia hipofosfatêmicos e tratamento da síndrome de Turner também foram temas de palestras.
Também aprovado recentemente pelo FDA foi a palopegteriparatida (ou TransConPTH) para o tratamento do hipoparatireoidismo. Trata-se de uma pró-droga com liberação sustentada de PTH ativo, com estudo clínico fase 3 publicado por Khan e colaboradores no J Bone Miner Res em 2023 mostrando melhor controle metabólico e possibilidade de descontinuação do tratamento convencional do hipoparatireoidismo.
Para os pacientes com muito alto risco ou com falência de tratamento que têm a indicação de uso de medicamentos anabólicos, agora temos disponível um medicamento similar da teriparatida, adicionando ao arsenal terapêutico e facilitando o acesso aos pacientes. Ainda sobre novidades no tratamento da osteoporose, o Dr. Matthew Drake anunciou em sua palestra que um novo anticorpo monoclonal em estudo para osteoporose, com resultados promissores em um estudo clínico de fase 1. A apresentação oficial será feita no ASBMR em setembro – fiquemos atentos para mais informações após esta data!
Manuela Rocha Braz — Clique para ver o CV Lattes
imagem: iStock
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