Tireoidite subaguda em tempos de covid-19
Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia provocada pelo novo SARS-CoV-2, um surto de síndrome respiratória aguda grave se alastrou rapidamente pelo mundo (1).
De fato, pacientes infectados pelo novo coronavírus apresentam, predominantemente, manifestações respiratórias. No entanto, cada vez mais são descritos casos de envolvimento do sistema gastrointestinal, do sistema nervoso central e cardiovascular (2).
É bem conhecido que, assim como o SARS-CoV — que provocou o surto de síndrome respiratória aguda grave em 2002 —, o atual SARS-CoV-2 utiliza a mesma enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) como receptor para infectar as células do hospedeiro (3). Recentemente, Li e colaboradores mostraram que, além do epitélio respiratório, os tecidos com maior expressão de ACE2 foram intestino delgado, testículos, rins, coração, tecido adiposo e tireoide (4).
O impacto da infecção pelo novo coronavírus sobre a função da tireoide ainda é pouco conhecido (5,6). No entanto, considerando a alta expressão de ACE2 no tecido tireoidiano e os achados de autópsia de pacientes falecidos pela síndrome respiratória aguda grave de 2002 mostrando destruição e necrose do tecido glandular (7), não seria surpresa que a tireoide pudesse ser afetada diretamente pela infecção.
Evidências disso são dois relatos recentes que sugerem uma associação entre a infecção pelo SARS-CoV-2 e a tireoidite subaguda (8,9). Inúmeros vírus têm sido descritos como possível causa da tireoidite subaguda, tais como coxsackie, adenovírus, vírus da caxumba, Epstein-Barr, sarampo, catapora, citomegalovírus, hepatite, HIV, citomegalovírus, dengue e rubéola (10), mas esses dois relatos recentes seriam os primeiros associando tireoidite subaguda ao SARS-CoV-2 (8,9).
A tireoidite subaguda (também chamada de tireoide granulomatosa ou De Quervain) é uma doença inflamatória autolimitada da tireoide. É mais comum em mulheres e, tipicamente, se caracteriza por dor súbita na região anterior do pescoço (muitas vezes irradiando para pavilhão auricular e ângulo da mandíbula) acompanhada de sinais/sintomas de tireotoxicose. Acredita-se que a doença possa ter origem viral, uma vez que é comum os pacientes apresentarem quadro clínico típico de infecção viral como mialgia, mal-estar e fadiga precedendo em uma a duas semanas o quadro doloroso (10).
Nos casos recentemente descritos (8,9), o quadro laboratorial é característico das formas iniciais (trifásicas) de todas as tireoidites: supressão do TSH e aumento dos níveis séricos de T4 e T3. Em ambos os casos, houve comprovação de infecção pelo SARS-CoV-2 (swab positivo) cerca de duas semanas antes do quadro clínico e/ou laboratorial compatível com a tireoidite subaguda. A despeito da discussão do uso de corticosteroides como primeira opção terapêutica, em ambos os casos os sintomas dolorosos melhoraram após uso dessa medicação.
A OMS não recomenda a avaliação sistemática da função tireoidiana em pacientes criticamente comprometidos com a covid-19 (11). De fato, mesmo que um paciente acometido por covid-19 tivesse tireoidite subaguda associada, o achado de TSH suprimido e T4 e T3 baixos poderia fazer parte da fase de recuperação da forma trifásica da tireoidite ou da síndrome do eutireoidiano doente (6). Ainda assim, os endocrinologistas deveriam ficar alertas para essa possível associação, a fim de evitar atrasos nos diagnósticos e implementar medidas terapêuticas apropriadas.
João Roberto Maciel Martins – clique para visualizar o CV Lattes
Referências
imagem: iStock
Comments
Costumo usar como critério de retirada do corticóide, o exame de hemossedimentação, que é muito útil, evitando uma terapêutica mais prolongada. Não tenho experiência na concomitância de paciente com COVID-19 e tireoidite subaguda.
Obrigado Dr. Lenine pelo comentário. Também uso esse parâmetro para planejar a suspensão do tratamento.
Alguns colegas brasileiros têm comentado em alguns grupos suas respectivas experiências de Tiroide subaguda em pacientes pós-diagnóstico de Covid-19. Por enquanto são poucos casos e ninguém ainda documentou a presença de partículas virais do SARS-coV-2 no tecido tireoidiano.