Evidências sugerem o coronavírus como um gatilho para diabetes tipo 1
No momento atual têm sido feitas várias correlações entre infecção por covid-19 e diabetes, considerado um importante fator de risco para uma evolução complicada da doença viral. Por outro lado, vem sendo observado nos pacientes com covid-19 aparecimento de novos casos de diabetes com distúrbios metabólicos graves, assim como complicações dos quadros preexistentes, com importante aumento das necessidades de insulina. Essas manifestações do diabetes desafiam o manejo clínico e sugerem a existência de uma importante fisiopatologia relacionando covid e diabetes1,2,3,4.
Um estudo de curta duração realizado na Alemanha, reunindo diversos centros de atendimento a pacientes diabéticos, foi recentemente publicado com um título bem desafiador: Ketoacidosis in Children and Adolescents With Newly Diagnosed Type 1 Diabetes During the COVID-19 Pandemic in Germany3.
O objetivo do trabalho foi fazer o registro de casos de diabetes tipo 1 com cetoacidose, recém-diagnosticados, no período de março a maio de 2020, e realizar a comparação com o mesmo período em 2018 e 2019. Foram diagnosticados 532 crianças e adolescentes (primo descompensação), com média de idade de 9,9 anos (5,8 – 12,9), sendo 238 (44,7%) em cetoacidose, dos quais 103 com quadro grave. Feitos os ajustes apropriados de idade, sexo, etnia e procedência, a comparação mostrou uma diferença significativa na frequência de cetoacidose em relação aos anos anteriores: 24,5% em 2019 e 24,1% em 2018. Crianças menores de seis anos foram as de maior risco, correspondendo a 51,9 % dos casos em 2020, 12,2% em 2019 e 24,2 % em 2018. Os autores consideraram que o aumento de casos foi devido a vários fatores, desde menor assistência médica durante a pandemia até aspectos psicossociais.
No entanto, outros pesquisadores têm tido um olhar diferente em relação a essa questão e defendem a ideia de que o diabetes não apenas torna as pessoas mais vulneráveis, como também o vírus SARS-CoV-2 pode desencadear diabetes1,2,3.
Infecção viral e sua associação com diabetes é um conceito bem familiar. Existem precedentes e evidências anteriores que atribuem o papel de desencadear os eventos que culminam no diabetes tipo 1 a diversos vírus (Epstein-Barr e Entero-/Coxsackie, entre outros), incluindo o que causa insuficiência respiratória aguda (SARS), que também tem sido relacionado a situações de autoimunidade. De modo semelhante, a infecção por hepatite C tem sido considerada fator de risco para diabetes tipo 22,4.
Em relação aos coronavírus, o SARS-CoV-1 se liga ao receptor ACE2, presente nas ilhotas pancreáticas e em outros órgãos envolvidos no controle glicêmico, causando destruição celular e precipitando o aparecimento do diabetes mellitus2,5. Existem dúvidas se o SARS-CoV-2 também utiliza os receptores ACE2 para infectar as células, mas um estudo experimental, também publicado recentemente, demonstrou que as células pancreáticas e as organelas hepáticas são muito permissivas às infecções pelo SARS-CoV-2, que infecta as células alfa e beta, comprometendo a secreção de insulina e do glucagon, mas sem comprometer a secreção de somatostatina pelas células delta3,6.
O SARS-CoV-2 se liga a receptores ACE-2 que são expressos em vários órgãos e tecidos, incluindo as células pancreáticas, tecido adiposo, intestino delgado, fígado e rins (Quadro 1).
Quadro 1. Função do gene ACE26
- Responsável pela expressão da proteína ACE2
- Proteína ACE2 é expressa na superfície celular
- Homóloga ACE (ECA, enzima conversora da angiotensina)
- ACE-regulação da pressão arterial (sistema renina-angiotensina)
– Vasoconstrição e elevação da pressão arterial - ACE2 – ação inversa da ACE
– Vasodilatação e diminuição da pressão arterial - Gene ACE2 mais expresso em pacientes com doenças crônicas
- Maior suscetibilidade à infecção pelo coronavírus
- Entrada do SARS-CoV-2 nas células é feita pela ligação da proteína spike do vírus com o receptor ACE2
O vírus induz a produção de interleucinas que desencadeiam um estado inflamatório grave, podendo impedir o funcionamento do pâncreas6.
Existe um suporte científico para sustentar a hipótese de um potencial efeito diabetogênico da covid-19, além da resposta ao estresse relacionado a uma doença grave. Contudo, se as alterações do metabolismo da glicose que ocorrem de forma súbita na covid-19 persistem, evoluindo como diabetes, ou remitem com a cura da infecção, é uma questão que permanece indefinida. A frequência do aparecimento de diabetes como primo descompensação e se o comportamento da doença endócrina é semelhante ao do tipo 1, tipo 2, ou é uma doença nova, também continuam sendo incógnitas, assim como se esses pacientes têm risco aumentado de desenvolver diabetes no futuro. Outra questão importante de ser avaliada é se, nos pacientes com diabetes preexistente, a covid-19 modifica a história natural da doença. Todas essas questões foram feitas por Rubino et al. em uma carta ao editor publicada no New England Journal of Medicine e que merece nossa atenção1.
Para responder a essas perguntas, um grupo internacional de pesquisadores criou o projeto CoviDiab (covidiab.e-dendrite.com), para estabelecer um registro global de pacientes com covid relacionado a diabetes e avaliar a extensão do fenótipo dos novos casos, definidos pela hiperglicemia, sem antecedentes de diabetes e com Hb glicada normal. O registro também será estendido aos casos preexistentes de diabetes que apresentarem distúrbio metabólico grave, que serão usados para investigar aspectos epidemiológicos e a patogênese da covid-19 relacionada ao diabetes, a fim de conseguir evidências sobre a melhor forma de cuidar desses pacientes.
A história de infecção pela covid é muito recente e existem ainda muitas limitações para entendermos a evolução natural da doença; esse estudo em relação ao diabetes pode revelar mecanismos de uma nova doença1.
Angela Spinola – clique para ver o CV Lattes
Referências
imagens: iStock e reprodução de internet
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Eu tenho 53 anos e faço uso do glifage , ainda não estou
na faixa etária que está sendo vacinada, devo procurar um
posto para me vacinar com antecedência?