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Revista Científica Digital da SBEM-SP


As evidências atuais de terapia com testosterona no manejo da obesidade e suas complicações

Por Larissa Garcia Gomes , em HORMÔNIOS OBESIDADE , dia 10 de dezembro de 2020 Tags:, , , , ,

A recente revisão, publicada no European Journal of Endocrinology, por Lapauw et Kaufman, buscou responder às seguintes questões:

  1. Testosterona baixa é um fator de predição ou predisponente de obesidade e/ou suas complicações?
  2. Os homens obesos com testosterona baixa são realmente hipogonádicos?
  3. Quais os mecanismos fisiopatológicos envolvidos nos valores baixos de testosterona na obesidade?
  4. Quais as evidências do benefício do tratamento com testosterona no homem com obesidade e suas complicações?
  5. Existem evidências de segurança nesse contexto? Existem indicações ou estratégias terapêuticas alternativas?

Os estudos em modelos animais e humanos demonstram a importância dos androgênios na determinação positiva da composição corporal e saúde metabólica no homem. Estudos transversais demonstram uma correlação inversa entre os níveis de testosterona (T) e adiposidade, índices de resistência insulínica e outros fatores de risco cardiovascular nos homens, assim como demonstraram baixas concentrações de T em homens obesos. Estudos longitudinais reforçam esses achados, demonstrando a associação de T baixa com aumento de incidência de síndrome metabólica, diabetes e eventos cardiovasculares (CV). Entretanto, esses dados são controversos e outros estudos não confirmaram essas associações. De fato, muitos dos estudos de associação não levaram em consideração a influência de fatores de confusão que podem alterar os valores dos andrógenos nos obesos, como estilo de vida, apneia do sono ou doença hepática gordurosa.

Adicionalmente, a maioria dos estudos avaliou a T total, que é em grande parte influenciada pelas concentrações de SHBG. Entretanto apenas T livre e, em menor proporção, a T-ligada-a-albumina são os hormônios ativos. No homem obeso, a SHBG está baixa, contribuindo para os baixos valores de T total. Aparentemente, apenas nos casos de obesidade muito grave, as concentrações de T livre estão diminuídas.

A questão se o homem obeso com testosterona baixa seria hipogonádico ainda é inconclusiva. Estudos demonstram maior prevalência de disfunção erétil e pior qualidade do sêmen nos homens com obesidade tanto com T baixa quanto normal, sugerindo que esse efeito seja multifatorial, e a associação quando encontrada foi com T livre. Outros sinais e sintomas de hipogonadismo como baixa eritropoiese, baixa massa e performance muscular e qualidade de vida foram escassamente avaliados.

Logo, respondendo às questões 1 e 2, os estudos sugerem uma associação de T total e obesidade e suas complicações metabólicas, mas esses achados parecem ser secundários à queda da produção de SHBG associada a obesidade. A associação de T livre e obesidade e suas complicações não é consistente. A maioria dos homens com obesidade tem concentrações de T livre normal e não apresentam sinais de hipogonadismo.

Com relação aos mecanismos envolvidos na baixa T na obesidade, seria principalmente secundária à baixa produção hepática de SHBG decorrente da hiperinsulinemia, e mais recentemente demonstrou-se o efeito das citocinas inflamatórias nessa redução. Uma disfunção no eixo hipotálamo-hipofisário também parece ocorrer nos casos de obesidade grave, pois mesmo com T livre baixa, as gonadotrofinas tendem a estar normais ou pouco elevadas. Esse efeito pode ser secundário à aromatização de T em estrógenos no tecido adiposo, e os estrógenos têm efeito supressor sobre as gonadotrofinas, mas também existem evidências do efeito supressor de citocinas inflamatórias sobre esse eixo, assim como sobre as células de Leydig, levando à diminuição da produção de testosterona.

E vale a pena tratar com T homens com obesidade e complicações metabólicas? Apesar dos vários trabalhos realizados para responder a essa questão, a maioria dos estudos tem desenhos e metodologias não adequados, se baseiam nas concentrações de T e não T livre, e poucos avaliam a presença de hipogonadismo clínico, o que gera controvérsia nos resultados. De forma geral, a maioria dos trabalhos randomizados mostra efeitos benéficos da terapia com T na composição corporal e sensibilidade à insulina em homens com obesidade e baixa T. Em contraste, os estudos de vida real mostram resultados modestos ou não significantes dessa reposição nos desfechos metabólicos, principalmente se comparada aos tratamentos específicos como dieta, exercício, metformina, estatinas e anti-hipertensivos. Considera-se um eventual efeito positivo no desfecho sexual.

São escassos os estudos de segurança randomizados e bem controlados de longo prazo, com poder estatístico para desfechos primários como eventos e morte CV, avaliando a terapia de T em homens obesos com T baixa. Algumas pesquisas individuais mostraram segurança ou até benefício da terapia de testosterona, porém, os pacientes desses trials eram altamente selecionados, e pacientes de alto risco eram excluídos. Estudos mais recentes demonstraram aumento de marcadores indiretos de risco CV com terapia com T, como aumento de placa de ateroma e aumento de risco de tromboembolismo.

Terapia alternativa para aumentar a concentração de T como inibidores de aromatase não teve impacto no peso e perfil metabólico dos pacientes. Dois estudos com citrato de clomifeno por 12 semanas, com n de pacientes pequenos, demonstraram melhora da composição corporal, mas sem significância no perfil metabólico.

Considerando que poucos levantamentos demonstraram benefícios da terapia de T, a amplitude do efeito é modesta, e os dados mais recentes sugerem um potencial risco cardiovascular. O estado da arte atual não recomenda terapia de T para prevenção ou reversão das alterações metabólicas associadas a obesidade. O foco do tratamento deve ser na obesidade e comorbidades associadas, reservando o tratamento com testosterona para homens com obesidade e hipogonadismo verdadeiro.

Larissa Garcia Gomes — clique para ver o CV Lattes


Referência

Lapauw et Kaufman, Eur J Endocrinol 2020, 183:167-183

imagem: iStock

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