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Obesidade é apontada como um fator associado à covid-19

Por Marcio C. Mancini , em OBESIDADE , dia 13 de junho de 2020 Tags:, , , , , ,

A obesidade é apontada como um fator associado à gravidade da doença pelo coronavírus 2019 (covid-19). Um artigo recente na seção Perspectivas da revista Obesity – Is Adipose Tissue a Reservoir for Viral Spread, Immune Activation and Cytokine Amplification in COVID-19 – Paul MacDaragh Ryan, Noel M Caplice – avalia a evidência de um pior desfecho em pessoas com obesidade infectadas com o novo coronavírus (SARS-CoV-2).

Uma série de trabalhos, de fato, documenta uma proporção de mais de 50% (mais de 70% no Reino Unido, UK Intensive Care National Audit and Research Centre) de pacientes com excesso de peso em internações nas UTIs e quando são comparados pacientes curados e aqueles que não sobreviveram. A diferença de IMC na comparação de pacientes internados com um quadro mais leve e com um quadro crítico é marcante, documentada em trabalhos em Wuhan, Nova Iorque e Lille. Os dados do Ministério da Saúde documentam uma taxa de aproximadamente 6% de pacientes internados por covid-19 com obesidade, mas claramente esse dado se deve a uma abissal subnotificação do diagnóstico de obesidade nas declarações de alta e de óbito. Na pandemia de influenza A subtipo H1N1 de 2009, a obesidade também foi fortemente associada a desfechos piores de doença e de mortalidade.

Quais são, então, as possíveis ligações mecanísticas entre obesidade e covid-19? A presença de obesidade contribui independentemente para o risco de covid-19? Essas são as principais perguntas que esse artigo publicado há poucas semanas se propõe a responder.

A obesidade contribui para alguns elementos de risco, como diabetes, doenças cardiovasculares e trombose, entre outros. Até mesmo o aumento da superfície corporal torna a pessoa com obesidade mais suscetível ao contato dos aerossóis de gotículas contaminadas.

Os autores propõem que a expansão do tecido adiposo, particularmente em pacientes com obesidade mais grave (classes 2 e 3), acarretaria uma amplificação da resposta inflamatória à infecção viral. Na obesidade, já existe uma inflamação subclínica, com produção de adipocitocinas inflamatórias, como fator de necrose tumoral-alfa, interleucina-6 e leptina, entre outras. Nesse ponto, existem controvérsias. Outros autores acreditam que, devido ao aumento dessas citocinas, ocorre a produção (após ligação ao receptor de citocinas) de supressores de sinalização de citocinas (SOCS3), para tentar reduzir o estado inflamatório. A ação das citocinas imunes (por exemplo, interferon alfa e beta) se dá no mesmo receptor de citocinas e estaria atenuada pelo SOCS3.

O problema de saúde da obesidade chegou às pandemias virais.”

Além disso, existe um tropismo viral pelo tecido adiposo, que é alvo de muitos vírus, incluindo H1N1, adenovírus 36, citomegalovírus, HIV e, mais recentemente, SARS-CoV-2 (comprovadamente, em células endoteliais, macrófagos e linfócitos, mas possivelmente também em adipócitos). A base fisiopatológica seria a expressão elevada do receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2) na membrana celular dos adipócitos (cerca de três vezes mais expresso no adipócito que no pneumócito). Desse modo, o tecido adiposo ectópico presente em depósitos intratorácicos, epicárdicos, perirrenais e mesentéricos seria uma fonte de egressão de vírus para pulmões, coração, rins e intestinos, respectivamente. O tropismo pelo tecido adiposo seria também a causa da eliminação prolongada de vírus nas pessoas com obesidade.

É importante complementar as informações do artigo, citando a disfunção de células NK (natural killer, que fazem parte do sistema imune inato) e do nível de citocinas relacionadas, que implica prejuízo de sua citotoxicidade e é restaurada após a perda de peso – documentada em tese de doutorado da Dra. Cristiane Moulin, orientada pelo saudoso Prof. Alfredo Halpern. Essas células são uma primeira defesa do organismo contra invasores estranhos (vírus, bactérias ou mesmo células pré-neoplásicas).

Além disso, é de importância também o dado do indivíduo com obesidade apresentar aumento do fator tissular e do PAI-1 (ativador do inibidor de plasminogênio-1), o que acarreta aumento da coagulação e diminuição da fibrinólise. Isso está em concordância com a proposta da pesquisa da Dra. Elnara Marcia Negri, pneumologista do HC-FMUSP, em artigo pré-publicado comentado na revista Science de maio, que sugere o uso de heparina para combater a coagulação de capilares alveolares. Essa coagulação ocorre pela desepitelização pulmonar com exposição do fator tissular (que já é aumentado na obesidade).

Outrossim, não há conclusões definitivas sobre a resposta clínica aos agentes antivirais de pacientes com obesidade em relação a pacientes com peso normal infectados por SARS-CoV-2. Dúvidas existem também acerca da resposta humoral e celular a vacinas (na vacina de influenza A, a resposta é atenuada em pessoas com obesidade).

Esses dados são muito importantes. Por um lado, as pessoas com obesidade devem reforçar as medidas de proteção a fim de evitar que sejam contaminadas. Por outro lado, uma vez infectadas, podem ter um quadro mais grave, transmitem por mais tempo e, possivelmente, com mais facilidade.

Os governos devem se esforçar mais para prevenir e combater a obesidade. O problema de saúde da obesidade, portanto, não se restringe às inúmeras doenças crônicas. Vemos, atualmente, que o problema de saúde da obesidade chegou às pandemias virais.

Dr. Marcio C. Manciniclique para visualizar o CV Lattes.


Referências

1. Ryan PMD, Caprice NM. Is Adipose Tissue a Reservoir for Viral Spread, Immune Activation and Cytokine Amplification in COVID19. Obesity. 2020; doi:10.1002/oby.22843.

2. Moulin CM, et al. Bariatric Surgery Reverses Natural Killer (NK) Cell Activity and NK-Related Cytokine Synthesis Impairment Induced by Morbid Obesity. Obes Surg. 2011; 21:112–8.

3. Negri EM, et al. Heparin therapy improving hypoxia in COVID-19 patients – a case series. medRxiv. 2020; doi: 10.1101/2020.04.15.20067017.

imagem: iStock


              

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