Saturday, June 7, 2025
Revista Científica Digital da SBEM-SP


Desreguladores endócrinos: impacto na programação da função tireoidiana?

By Caroline Serrano do Nascimento , in TIREOIDE , at 3 de junho de 2025 Tags:, , ,


Sabemos da existência de milhares de substâncias químicas, naturais e sintéticas que interferem no funcionamento do sistema endócrino em várias etapas, desde a síntese, a secreção, a ação hormonal, a metabolização periférica, o transporte plasmático. Por esse motivo, essas substâncias são denominadas desreguladores endócrinos. Estudos demonstram que estamos expostos a essas substâncias químicas diariamente, pois muitas estão presentes em produtos do nosso dia a dia: plastificantes, pesticidas, agrotóxicos, medicamentos e cosméticos, só para citar alguns.

Por eles terem estrutura química similar à de hormônios endogenamente produzidos, o mecanismo de ação clássico desses desreguladores acaba sendo sua interação com receptores hormonais, desencadeando os efeitos disruptivos sobre o sistema endócrino ao mimetizar ou bloquear a ação dos hormônios. Muitos estudos têm associado a exposição aos desreguladores endócrinos e o desenvolvimento de doenças endócrinas. Além disso, observou-se, nos últimos anos, um incremento significativo nos casos de disfunções tireoidianas, principalmente hipotireoidismo e nódulos tireoidianos, na população mundial.

Tendo isso em vista e levando em conta os modelos que utilizamos em nosso laboratório, desenvolvi uma linha de pesquisa para avaliar os efeitos da exposição a esses contaminantes durante fases críticas do desenvolvimento. Especificamente nesse projeto, concentramos o foco de exposição durante o período intrauterino e avaliamos se ela desencadearia mecanismos de programação na progênie durante a vida adulta.

É importante lembrar que os mecanismos epigenéticos são fundamentais para controlar a expressão de genes durante o período embrionário, tornando as células pluripotentes em células completamente diferenciadas, como hepatócitos, neurônios, células intestinais. Contudo fatores ambientais, nutricionais e farmacológicos já foram identificados como perturbadores desse processo, podendo levar à programação disfuncional de órgãos e tecidos, aumentando a suscetibilidade dos indivíduos ao desenvolvimento de doenças ao longo da vida.

Alguns estudos recentes têm mostrado que os desreguladores endócrinos interferem em mecanismos epigenéticos. Por isso, questionamos se a exposição intrauterina a esses desreguladores, de alguma maneira, por meio de mecanismos epigenéticos, interferiria na programação do indivíduo, tornando-o mais suscetível ou não ao desenvolvimento de doenças da tireoide durante a vida adulta.

O que temos observado no laboratório é que vários desreguladores têm essa capacidade de desregular o eixo hipotálamo-hipófise-tireoide: alguns deles induzindo, durante a vida adulta dos animais, à hiperatividade do eixo ou a quadros de hipotireoidismo subclínico; outros desencadeando efetivamente o hipotireoidismo, com aumento de TSH e redução de T3 e T4.

Portanto o que mostramos é que realmente a exposição a contaminantes ambientais, além de outras variáveis que podem interferir no desenvolvimento desse indivíduo, pode ter uma consequência na programação do indivíduo para torná-lo mais ou menos suscetível ao desenvolvimento de doenças durante a vida adulta.

Um dado bem interessante: através de modelos in vitro e ex vivo do nosso laboratório, expostos a desreguladores endócrinos, observamos que a endoderme (o tecido embrionário que dá origem à tireoide) também sofre uma alteração na expressão de seus genes, principalmente de fatores transcricionais que controlam a expressão gênica nesse tecido. Não se pode esquecer que, além da tireoide, outros órgãos também derivam desse tecido, como pâncreas, fígado e pulmão, portanto potencialmente esses desreguladores interfeririam não só no desenvolvimento e/ou programação do tecido tireoidiano, como também de outros órgãos que derivam da endoderme, especificamente.

Outra informação muito relevante é que os hormônios tireoidianos, como bem se sabe, regulam várias funções homeostáticas no organismo, como crescimento, metabolismo e desenvolvimento. Dessa maneira, quando falamos em desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide, temos sempre de pensar que — potencialmente — outros sistemas estariam desregulados: o sistema reprodutivo, digestório, nervoso. Ou seja, poderíamos ter consequências mais amplas, além daquelas associadas apenas a uma desregulação da função do eixo.

Embora sejam pesquisas realizadas em modelos animais, é importante dizer que existem estudos epidemiológicos que também demonstram uma associação da exposição aos desreguladores endócrinos com efeitos negativos sobre o sistema endócrino.

Vários países têm unido esforços em grants de pesquisas internacionais voltados para a área de desregulação endócrina para entender qual a consequência da exposição a esses contaminantes. Uma coisa que deve ficar bem clara é: estamos diariamente expostos, e ao mesmo tempo, a uma gama de contaminantes ambientais, e não apenas a um único desregulador endócrino. A exposição humana é complexa, temporalmente diversa, e a exposição em diferentes janelas potencialmente desencadeia efeitos distintos. Sendo assim, não é trivial fazer estudos que efetivamente apontem uma relação de causa e efeito entre os contaminantes e as doenças em humanos. Nesse sentido, os estudos mais recentes têm tentado caracterizar o exposoma (conjunto de contaminantes) dos indivíduos e então os efeitos associados a essa exposição.

Diante disso, deve-se levar em consideração que é preciso abordar o tema de desregulação endócrina não de maneira alarmista, mas informativa. Para que a população saiba que esses contaminantes realmente existem e que os cientistas estão tentando entender como eles agem em nosso organismo e descobrir maneiras de mitigar os efeitos deletérios causados por esses produtos tão presentes em nosso dia a dia. Para finalizar, fizemos recentemente uma revisão abrangente a respeito de desregulação endócrina e tireoide, e convido-os para essa leitura adicional sobre o tema.

https://www.mdpi.com/2673-396X/5/3/32

Caroline Serrano do Nascimento — Clique para ver o CV Lattes

imagem: iStock

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