Medicamentos antidiabetes nos pais durante a preconcepção e malformações congênitas nos filhos: um estudo para refletir
Consideramos que pelo menos cinco pontos, tais como: 1. As malformações congênitas relacionadas ao diabetes mellitus permanecem como uma das principais causas de mortalidade infantil1; 2. O aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade entre os jovens; 3. O diabetes mellitus é um problema de saúde pública mundial ainda em evolução2; 4. Recentemente, o diabetes mellitus tipo 2, o mais frequente dessa doença, tem acometido indivíduos em idades mais jovens3, isto é, em idade reprodutiva e 5. A metformina permanece como o medicamento anti- hiperglicêmico mais utilizado4 tornam o estudo Preconception Antidiabetic Drugs in Men and Birth Defects in Offspring, de Wensink MJ e col5, importante para refletir.
Esse estudo se direciona a um ponto crítico, antes considerado apenas pelo lado materno, que é a relação entre a exposição a medicamentos durante a concepção e gestação e as malformações congênitas dos recém-nascidos. Os autores do estudo analisam a relação entre a exposição do pai ao tratamento antidiabetes durante o período de espermatogênese e as malformações congênitas do recém-nascido.
Wensink e colegas consideram que o desenvolvimento completo do espermatozoide maduro, compreendendo a espermatogênese da espermatogônia tipo A para a espermátide Sd e a maturação posterior no epidídimo, leva aproximadamente três meses. Assim, os pais que estavam recebendo os medicamentos antidiabetes durante os três meses antes da concepção foram considerados expostos aos medicamentos.
O estudo foi bem elaborado, com base em um banco de dados populacionais compreendendo mais de 1,2 milhão de nascimentos na Dinamarca entre 1997 e 2016. O objetivo foi avaliar se o risco de malformações congênitas nos recém-nascidos varia com o tratamento farmacológico durante a preconcepção dos pais com diabetes mellitus. Os participantes foram todos seus filhos nascidos vivos de gestação única de mães sem diabetes ou hipertensão essencial. Os recém-nascidos foram considerados expostos se o pai tinha recebido uma ou mais das medicações antidiabetes estudadas (insulina, metformina, sulfonilureia, agonistas do receptor do glucagon-like peptide-1 ou inibidores da dipeptidilpeptidase-4)durante o desenvolvimento do esperma fertilizante. O gênero e a frequência de malformações congênitas foram comparados em relação aos medicamentos utilizados, ao tempo de exposição e aos irmãos.
A prevalência de uma ou mais malformações maiores na população estudada (~ 1,2 milhão de nascimentos vivos) foi de 3,3% e os autores identificaram uma associação entre a exposição paterna à metformina durante o período de espermatogênese e malformações geniturinárias nos meninos (95% CI, adjusted odds ratio, 1.40[95%CI,1.08 to 1.82], p=0.012). Essa associação não foi encontrada com o uso de metformina pelos pais fora do período de espermatogênese ou em outras concepções sem o uso do medicamento. É importante ressaltar que esse interessante e alarmante achado foi confirmado por outras análises estatísticas mais extensas e sensíveis durante o estudo. O uso de sulfonilureias mostrou uma associação semelhante (aOR, 1.34[CI,0.94 to1.92]), mas sem significado estatístico (p=0.107) e especificidade a uma má-formação. Os autores colocam como limitações do estudo a falta de informações de outras doenças em curso, o grau de aderência à medicação prescrita, o nível de controle glicêmico e um possível cofator não avaliado.
No momento, como então considerar esses achados? As associações entre o diabetes materno descompensado e as malformações congênitas são conhecidas, assim como se sabe que as sequelas relacionadas ao diabetes mellitus no sistema reprodutor masculino possivelmente ocorrem através do hipogonadismo e do comprometimento da espermatogênese. Do mesmo modo, a dislipidemia tem sido associada a uma diminuição na qualidade do esperma6 e às malformações geniturinárias na prole masculina7. Alterações nas concentrações de testosterona, relacionadas à atividade antiandrogênica de agentes antidiabetes orais como a metformina devem ser analisadas8.
Novas pesquisas considerando esses fatores, além do controle glicêmico e de outras características metabólicas e em outras populações, devem ser realizadas no sentido de verificar a reprodutibilidade desses achados.
Por fim, o estudo de Wensink MJ5 chama a atenção para a realização de estudos mais conclusivos sobre a avaliação de riscos potenciais do uso de medicamentos para o diabetes mellitus pelos pais em seus recém-nascidos, assim como para a avalição do fator paterno no planejamento das gestações.
Sergio Atala Dib – clique para ver o CV Lattes.
Referências
8. HU Y, Ding B, Shen y, et.al. Rapid changes in serum testosterone in men with newly diagnosed type 2 diabetes with intensive insulin and metformin. Diabetes Care.2021;44:1059-161.
imagem: iStock
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