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Hipertensão secundária às doenças endócrinas: raras ou raramente diagnosticadas?

Por Rafael Buck Giorgi , em HIPERTENSÃO ARTERIAL , dia 10 de dezembro de 2020 Tags:, , ,

Atualmente, a prevalência de hipertensão arterial (HA) no Brasil gira em torno de 25% da população, podendo atingir números extremamente elevados em alguns grupos, especialmente idosos. Essa alta prevalência está intimamente associada ao aumento da ocorrência de doença cardiovascular com alta morbimortalidade.

Sabe-se que entre 85-90% dos pacientes hipertensos são portadores de hipertensão arterial sistêmica (HAS) per se. Entretanto, não é desprezível, principalmente considerando números absolutos, as causas secundárias. Apenas no estado de São Paulo, estima-se que em torno de um milhão de pacientes possa ter uma causa, muitas vezes curável, de HA. Isso inclui doenças como feocromocitoma, hiperaldosteronismo primário e síndrome de Cushing, entre várias outras.

Em junho deste ano, foi publicada uma guideline da Sociedade Internacional de Hipertensão, que, de maneira bastante prática, orienta diagnóstico, metas e tratamentos da HA. Entretanto, assim como em vários outros manuais, apenas uma pequena parte é destinada à investigação de causas secundárias. Definida como hipertensão tratada com três drogas, sendo uma delas diurético, ou conforme outras diretrizes, uso de quaisquer quatro medicações, a hipertensão refratária ao tratamento deve sempre induzir o clínico a pensar na possibilidade de causas secundárias. Abaixo estão todas as situações em que o rastreio está indicado:

— Hipertensão refratária ao tratamento
— Início abrupto de hipertensão
— Hipertensão em jovens (< 30 anos)
— Piora súbita dos níveis de pressão arterial
— Lesão em órgão-alvo desproporcional aos níveis de hipertensão
— Hipertensão maligna
— Hipertensão diastólica em idosos (> 65 anos)
— Hipertensão com hipocalemia

Essa diretriz de 2020, em conformidade com outras publicadas nos últimos anos, traz como orientação que, em casos onde não se atinge um controle eficaz dos níveis pressóricos, a espironolactona deve ser prescrita como quarta droga no algoritmo de tratamento, após diuréticos, inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou bloqueadores de seu receptor e bloqueadores dos canais de cálcio. Entretanto, essa recomendação pode induzir o clínico a dispensar o rastreio de hiperaldosteronismo primário (HAP). Isso distancia o médico da medicina de precisão e provoca uma generalização no tratamento da HA.

Atualmente, sabe-se que o HAP é a principal causa de hipertensão secundária, podendo atingir uma prevalência, em algumas séries, de quase 10% de todos os hipertensos. Quando são considerados apenas pacientes com níveis bastante elevados de HA, a prevalência é ainda mais elevada.

Pacientes com HAP apresentam, quando comparados com hipertensos essenciais, quatro vezes mais chances de acidente vascular cerebral, seis vezes mais chances de infarto agudo do miocárdio e mais que 10 vezes de ter fibrilação atrial. Caracteristicamente, existe uma tendência à hipocalemia, ainda que se saiba que grande parte dos pacientes mantém níveis de potássio em valores próximos ao limite inferior da normalidade. O rastreio deve ser realizado com a dosagem de atividade plasmática de renina (APR) e aldosterona (AP), sendo que se considera positivo quando a relação APR/AP é maior que 30.

Conforme a última guideline da Endocrine Societysobre HP, os testes confirmatórios são dispensáveis quando o paciente apresenta hipocalemia associada à supressão de renina e níveis de aldosterona superiores a 20 ng/dL. Apenas nos casos onde a triagem é positiva, mas a investigação não será possível, recomenda-se o início de espironolactona empírico. Outros grupos específicos de pacientes devem ser rastreados para HP, como portadores de incidentalomas de adrenal (quando hipertensos), portadores de apneia obstrutiva do sono e hipocalemia induzida por uso de diuréticos.

Atualmente, discute-se a ocorrência de hiperaldosteronismo subclínico. Um trabalho dosou APR e AP em pacientes normotensos e associou alterações desses níveis a maiores chances de desenvolver hipertensão no futuro. Isso levanta a discussão de que, para alguns pacientes, quando constatado esse componente mineralocorticoide na fisiopatologia da HA, mesmo que não tenha o diagnóstico fechado de HP, a espironolactona poderia ser usada mais precocemente no tratamento.

Todos esses dados mostram como o conhecimento sobre a fisiopatologia da HA ainda é escasso. Na Endocrinologia, mais especificamente no tratamento do diabetes, as diretrizes até 2018 não detalhavam quais medicações deveriam ser usadas para cada grupo de pacientes. Qualquer combinação poderia ser realizada pelo clínico com o objetivo de melhor controle da doença, sendo deixado de lado o tratamento baseado na fisiopatologia e nas necessidades individuais. A partir de 2019, em uma tentativa acertada de personalizar o tratamento, as diretrizes passaram a orientar um tratamento baseado na fisiopatologia da doença. Hoje, um paciente diabético tipo 2 obeso, caso não apresente contraindicações, DEVE usar um análogo do receptor de GLP-1 ou iSGLT2. Quando consideramos o tratamento da HA, o mesmo não ocorre. A combinação de drogas usadas muitas vezes é realizada de maneira aleatória, desconsiderando o contexto clínico do paciente.

Finalmente, o subdiagnóstico das doenças endócrinas no contexto da HA evidencia uma enorme necessidade de outros especialistas como médicos de família, cardiologistas e clínicos gerais se tornarem cada vez mais familiarizados com tais doenças. O rastreio precoce de uma causa secundária de HA poderia reduzir bastante o risco cardiovascular desses pacientes, inclusive com chance de cura da HA.

Rafael Buck Giorgi — clique para ver o CV Lattes

 

Referências

1. Unger T, Borghi C, Charchar F, Khan NA, Poulter NR, Prabhakaran D, et al. 2020 International Society of Hypertension Global Hypertension Practice Guidelines. Hypertension. 2020;75:1334–57

2. Milliez P, Girerd X, Plouin PF, Blacher J, Safar ME, Mourad JJ. Evidence for an increased rate of cardiovascular events in patients with primary aldosteronism. J Am Coll Cardiol. 2005

3. Funder JW, Carey RM, Mantero F, et al. The management of primary aldosteronism: case detection, diagnosis, and treatment: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2016;101(5):1889–1916

4. Brown JM, Robinson-Cohen C, Luque-Fernandez MA, Allison MA, Baudrand R, Ix JH, Kestenbaum B, de Boer IH, Vaidya A. The spectrum of subclinical primary aldosteronism and incident hypertension: a cohort study.Ann Intern Med. 2017; 167:630–641

imagem: iStock

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