O estresse oxidativo provoca alterações na esteroidogênese adrenal
Processos de alto consumo energético liberam na mitocôndria espécies reativas de oxigênio (EROs). Para manter a homeostase, as células possuem complexos mecanismos de defesa antioxidante. Alterações nesse sistema podem perturbar esse equilíbrio levando ao acúmulo de EROs e desencadeando um processo denominado estresse oxidativo. Se prolongado, o estresse oxidativo pode levar ao comprometimento de funções celulares[1].
A mitocôndria tem papel central na esteroidogênese adrenal. A biossíntese de hormônios esteroides se inicia com o transporte do colesterol para o interior da mitocôndria, que é convertido a pregnenolona. No retículo endoplasmático, é formada a progesterona e o 11-desoxicortisol. Novamente na mitocôndria, ocorrem as etapas finais da biossíntese de glicocorticoides e mineralocorticoides[2].
As etapas mitocondriais da esteroidogênese contribuem significativamente para a produção mitocondrial de EROs. Para evitar a formação do estresse oxidativo, os tecidos esteroidogênicos são supridos de altos níveis de antioxidantes. Alterações nos mecanismos de defesa antioxidante nas adrenais podem causar o estresse oxidativo que impede a biossíntese de esteroide[3].
Mutações em genes envolvidos no mecanismo de defesa antioxidante vêm sendo relacionadas a fenótipos de insuficiência adrenal — entre eles, a síndrome do triplo A, adrenoleucodistrofia e, mais recentemente, a deficiência familiar de glicocorticoide (DFG)[3].
Foram identificadas mutações no gene Nicotinamide Nucleotide Transhydrogenase (NNT), que segregava perfeitamente com o fenótipo de DFG com ou sem comprometimento da via de secreção de mineralocorticoide, sendo denominada DFG tipo 4 (OMIM – 614736)[4-7]. Mutações em thioredoxin reductase 2 (TXNRD2) também foram identificadas e denominadas DFG tipo 5 (OMIM – 606448). Ambos os genessão responsáveis por eliminar EROs e prevenir a formação do estresse oxidativo[8].
Recentemente, encontramos em um paciente com fenótipo de DFG uma nova variante no gene NNT. A pesquisa, orientada pelo Prof. Dr. Sonir Antonini e coorientada pela Dra. Fernanda Borchers Coeli Lacchini, foi apresentada no Congresso Paulista de Endocrinologia e Metabologia (COPEM 2021), tendo recebido o Prêmio COPEM de Melhor Tema Livre na Área Translacional.
O paciente avaliado no estudo foi diagnosticado aos 18 meses de vida, por apresentar episódios de hipoglicemias graves e frequentes há alguns meses. Essas hipoglicemias eram acompanhadas de crise convulsivas. Apresentava também hiperpigmentação cutânea, baixo ganho pôndero-estatural e vômitos, que culminaram, finalmente, em episódio de choque circulatório aos 18 meses de idade. Na primeira avaliação bioquímica foi detectada insuficiência adrenal primária, com cortisol plasmático indetectável e ACTH elevado, porém sem sinais de hiperandrogenismo ou insuficiência mineralocorticoide. Com estes dados foi confirmado o diagnóstico de DFG. A análise por meio de sequenciamento exômico identificou uma nova variante provavelmente patogênica no gene NNT.
Nesse estudo, avaliamos a contribuição do NNT para o funcionamento integral da esteroidogênese adrenal. Em concordância com o fenótipo de pacientes afetados com DFG, nos quais a secreção de cortisol é sempre severamente comprometida, mostramos que o NNT é amplamente expresso na zona de transição fetal e na zona fasciculada do adulto.
Além disso, ao gerar um modelo com comprometimento de NNT utilizando o sistema CRISPR/Cas9, demonstramos em linhagem de células do córtex adrenal (H295R) as anormalidades mitocondriais e a deficiência na secreção de esteroides relatadas em pacientes com mutações nesse gene.
As células adrenais deficientes em NNT apresentam redução na função mitocondrial, acumulam EROs, o que leva a um processo de estresse oxidativo que compromete a produção de cortisol e aldosterona.
Referências
Aline Faccioli Bodoni — clique para ver o CV Lattes
Sonir Antonini — clique para ver o CV Lattes
Imagem: iStock
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