A presença de extensão extratireoidiana mínima é relevante para o prognóstico dos carcinomas diferenciados de tireoide?
A importância da presença de extensão extratireoidiana mínima no prognóstico dos carcinomas diferenciados de tireoide tem sido questionada recentemente. Na última edição da classificação do American Joint Committee on Cancer (AJCC), a presença de extensão extratireoidiana mínima (mETE), detectada apenas no exame histopatológico, deixou de ser considerada característica tumoral de maior risco e apenas a presença de extensão extratireoidiana macroscópica para musculatura peritireoidiana (gETE) permaneceu classificada como tumor T3b. Entretanto o sistema de classificação AJCC/TNM é um bom preditor de risco de mortalidade, que é baixo nos carcinomas diferenciados de tireoide. É a morbidade destes, relacionada principalmente a recorrências loco-regionais ou à distância, que deve nortear o tratamento.
O estudo Is There a Difference Between Minimal and Gross Extension into the Strap Muscles for the Risk of Recurrence in Papillary Thyroid Carcinomas?, publicado na Thyroid em julho de 2020, comparou a recorrência e a resposta ao tratamento de carcinomas papilíferos de tireoide com mETE ou com gETE com carcinomas papilíferos de risco baixo ou intermediário de recorrência, a fim de determinar o impacto dos diferentes graus de extensão extratireoidiana no prognóstico dos pacientes.
Para tal, avaliamos 596 casos de carcinomas papilíferos de tireoide da coorte de pacientes acompanhados no Serviço de Endocrinologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo). Os pacientes foram divididos em quatro grupos: baixo risco (n = 251), risco intermediário sem extensão extratireoidiana (n = 89), mETE (n = 191) e gETE (n = 65). O risco de recorrência provou-se baixo no primeiro grupo (3%), enquanto pacientes com risco intermediário e mETE tiveram recorrência em 14% dos casos, e aqueles com gETE, 25%. Na análise multivariada, a presença de extensão extratireoidiana e de metástases linfonodais foram os fatores de risco independentes para a recorrência, odds ratio OR = 2,86 (p = 0,005) e OR = 2,44 (p = 0,009) respectivamente.
A sobrevida livre de doença foi significativamente maior nos pacientes de baixo risco em relação àqueles com mETE, mas não houve diferença entre mETE e os demais grupos. Por outro lado, a resposta ao tratamento diferiu entre pacientes com mETE e gETE, sendo que o segundo grupo apresentou com maior frequência respostas incompletas, bioquímica ou estrutural, no primeiro ano (OR = 2,68, p = 0,007) e na última avaliação clínica (OR = 4,35, p < 0,001).
Vale destacar os resultados da análise do subgrupo de pacientes com microcarcinomas papilíferos de tireoide sem metástases linfonodais. Pacientes com microcarcinomas com mETE não apresentaram diferenças significativas na sobrevida livre de doença ou na resposta ao tratamento em relação aos de baixo risco, apesar de a tireoidectomia total e terapia ablativa com I-131 terem sido mais frequentemente empregadas no tratamento dos pacientes com mETE.
Como conclusão, nosso estudo sugere que tanto mETE quanto gETE são fatores de risco independentes para recorrência nos carcinomas papilíferos de tireoide. Apesar da presença de gETE ter impacto mais pronunciado na recorrência e resultar em pior resposta aos tratamentos propostos, a mETE não está associada ao baixo risco de recorrência e, portanto, pacientes com carcinomas papilíferos de tireoide com esse grau de invasão ainda merecem ser tratados como os de risco intermediário e seguidos com maior atenção.
Debora Lucia Seguro Danilovic – clique para visualizar o CV Lattes
imagem: iStock
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